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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Pedaço de ti

Eu cozinhava todos os dias para você, e gostava disso. Segunda, eu fazia seu doce predileto, um bolo de cenoura com chocolate, e você comia só um pedaço, deixando o afeto para as formigas. Na terça eu fazia uma lasanha, mas você chegava em casa, dizia ter comido fora, e da minha lasanha, comia só um pedaço. Todos os dias eu esquentava o café, para você tomar só um gole. Na quarta- feira, eu fazia uma feijoada completa, mas você chegava do serviço completo, e saciado, se dizia sem fome, pegava um pedaço e ia dormir. E os dias foram passando, eu cozinhava só para uma colherada, só para um pedaço, para mim e um pedaço, sobrava comida no prato, sobrava tempo na cama, o que eu não esquentava no prato, esquentava na cama. Você dizia que era bom sobrar comida no prato, pois assim era menos louça para lavar, mas o que você não sabia, é que seria um prazer lavar o prato em que você comeu, eu queria ser uma Amélia para você. Os dias foram passando e eu ainda cozinhava para mim e para você, era um desperdício eu sei, mas eu ainda tinha esperança de você fazer um desses pratos de pedreiro e comer tudo, mas você chegava em casa satisfeito, e ainda assim magro, dizia ter comido em algum bar de esquina, essas coxinhas comunitárias feitas para todos, e eu tinha ciúmes e inveja da mão que ia lavar os garfos que você abocanhou, os copos que teve contato com sua boca. Os dias foram passando e cozinha parecia se despedaçar diminuíram o numero de talhares, o numero de pratos, diminui minha vontade de cozinhar, diminuiu a Amélia dentro de mim, diminuiu minha fome, você dizia que eu comia como um passarinho, mas era você que estava voando para longe. Os dias foram passando e eu cozinhando só para mim, me despedaçando, era como um efeito contrario, quem sabe se você não devorasse o prato, eu não estivesse integra pra você? E na cama eu já não podia me entregar por inteira, pois para mim, você tinha se tornado só um pedaço.