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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

No que pisamos quando não gostamos de andar

Trouxe duas cervejas. Antes de entrar em casa, na soleira, sequei as duas latas. Apoiei meus pés nos livros, se não consigo ler, que pelo menos eles possam me servir de algo. E deixei assim, os versos longe da boca. Sobravam a vontade para os vícios, os hiatos do verbo na minha boca.
Não mais hospedava meus passos no seu desconforto, sonhar era mais fácil que quilometrar o desapego. O espaço que nos separa dobrou o tempo do encontro e até os viadutos, se esqueciam e se lembravam em paralelo com nossas indecisões.  No meu colo, carregava o vazio do seu descuido, e sem reconhecer teu andar, descansava meu caminho.
Entre a calçada e a porta, eu teria que andar por infinitas estradas. Entrar naquela casa, era reconhecer as minhas inúmeras fraquezas, a minha fragilidade, a sua força intensa. E eu nunca soube dar meia volta.  Então, eu preferia cambalear a ter que me acercar de sua cintura, ainda que seu umbigo me atraísse como um sol. No meu delírio, eu orbitava, passeando por seus seios, seu ventre. Eu só orbitava, sem nunca ser protagonista afinal.
Engoli em seco e abri um dos livros-apoio-de-pés. Procurei qualquer verso de amor que te falasse por mim. Que te falasse amores ou saudades. Que te falasse mistérios ou novos medos. Qualquer verso que me poupasse de minhas palavras secas e cansadas.Qualquer verso que coçasse nossos pés, qualquer métrica que mapeasse ou instigasse teu significado em minha percepção. Depois de alguns goles na cerveja, toda poesia cinética caminhava no azulejo gelado que eu tanto evitava deitar teu corpo.
Desisti de te dizer qualquer coisa. Só queria devorar faminto a sua boca de tantas palavras, agora doces, não mais do que uma lembrança, não mais que adivinhação, palavras-além-pés.

(Parceria com Luara,
http://aquarelavel.blogspot.com.br/ )

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Meus fones de ouvido


Você se foi, e levou consigo os meus fones de ouvido, e foi como se tivesse levado para si, a minha audição, o meu autismo.
Você no contraponto, colocava os fones para  ouvir a saudade, e do outro lado eu tapava meus ouvidos, ensurdecendo a falta.
Ela levou meus fones, desalinhando meu bom gosto, a linha tênue entre meu esforço e meu recalque.
Levou os fones para ouvir freqüências que eu nunca conseguia atingir, em equalizações que eu nunca consegui prometer.
Meus ouvidos desconcertados, descompassados, a imaginar a tua voz. Tentando compensar a aflição, desencapado de medo.
Sem os fones, eu escutava as vozes da minha cabeça, e nenhuma era a sua e como em uma transmissão de arrependimento, eu me desligava em dó. A tua voz era uma imagem  mental,  que levou o equilíbrio e um abismo cego me tomava sem música.
As vozes inventadas carregavam minha cabeça, enquanto você ouvia a ausência de nossas conversas.
Você se foi, e levou consigo os fones, desfigurando meu impasse.
Meu silencio vagando por estradas surdas, e nas curvas dos teus murmúrios, eu fenecia.
Eu me lembro de ouvir outro disco, enquanto tua boca desligava minha cabeça, e na disritmia eu aceitava suas flores.
Mas tuas despedidas, arranhava meus ouvidos, e as declarações injetadas, sem ritmo, se repetiam sem nunca encontrar sincronia.
Eu ouvia, o amor amiúde, das palavras traduzidas por outro ouvido, da boca que regurgitava o obvio. Então olhava para suas gengivas, sujas de clichê, e nas desculpas paliativas, no fio dos teus dentes, a retirar as anedotas que rasgavam a minha canção.
Canção dos olhos, composição da calma, que nunca entendeu o teu pensar.
Era um samba mal sujeitado, cantado ao pé de um ouvido doente.   
E em um dissabor eu fantasiava outro porta bandeira a ostentar a teu sorriso. 
Meus fones em outros ouvidos
E eu corria para o meio fio, a gritar desafinado, o teu silêncio.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Estrela


E a nova estrela
A estrear meu pensamento
A instruir meus olhos perdidos
Entrelaçada em meu pescoço
A trair meus pés
Mas com teus olhos atrelados 
Não mais me distraio
Fujo do estreito
E me atento ao teu mundo.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O surreal peso da lua


Meu desespero
Desvencilha o impulso
Um feixe de grito que não emociona nada
Inebriado, finjo riso
Solitário, desconheço a graça
Abrigo em minha opacidade, a intenção.
Oco, guardo todos os empecilhos no pensamento
Pouco me importo, se não poupo o acalento.
Meço o espaço do lamento, no surreal peso da lua.
O artificio ótico que preenche a ilusão de quem teima em sonhar
E queima e encolhe, o desfoque que não aproxima as horas
Ei de pisar no erro
e desenterrar a bandeira que hoje encobre minha visão.
Meu vazio a enluarar a planície.
A marginar o pouso, sem nunca ter voado.
Da luz pictórica só a loucura me fascina.
A desavença da terra com meus pés
A inflar o meu tempo
Meu rosto convive com os pássaros
De tão distraído, não percebo o espelho.

Poema

Um poema a pigmentar a tua pele
Precede o silêncio cego
Da Pálpebra que traduz a premissa
Apenar o caminho, que alfabetiza a língua
Do lábio que se ama, é que se lê o beijo
Teu punho à prometer o sonho
Tua pele a inteligir meu peito
Meu pelo, minha boca.

Um poema a pigmentar tua pele
Apotegma de meu sentimento
Pormenores veias
A verbalizar a dádiva
A permear em meus poros
Todo vocabulário.
Que compreende em teu pulso
A minha consciência.



terça-feira, 4 de setembro de 2012

Infância


A espinha que abrasa o martírio
Desafina meus pés
Verte o susto que desaponta o perigo
Sintomatiza o passado no corpo e o futuro na mente
Atomiza a provação, eterniza o fascínio
Descobre a palma, salta desbravada a  má sorte
Salta até se desdobrar em chuva.
Discorre a água, e isola meu medo.
A distancia descalça meus passos
Meus joelhos desencantam o desastre
Desconheço o rosto que desgasta meus dedos
Desfilo a ríspida inocência
Não desviro a chave.
Nem recorto a luz
da boca que desanuvia o choque.