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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Paisagem enquadrada

Dentro daquele quarto havia mais fotografias do que paisagens. Eles, cansados, indispostos em qualquer pose, da posse já não querem mais nem mesmo a verdade. O grito na garganta como se toda a vida dependesse apenas de uma única palavra. O desabafo antes lento, ganha velocidade a cada palavra dita :

- Essa tua cara de paisagem, que eu não aguento
- Essa tua cara de banco de praça, onde o sol desbota a madeira
- Aquele banco, sem crianças em volta claro, por que você nunca quis ter filhos comigo
- Essa tua cara de travesseiro, quem dera fosse uma marca de travesseiro no rosto, mas você é a própria cama em um sábado de chuva.
- Eu te via se transformar em banco, cadeira de balanço, em tudo, menos em marido

Ele escuta tudo, calado, como se não fizesse questão de enquadrar seu pensamento, mas como toda cena é feita por indiferença, ele resolve descartar qualquer esquadro :

- Eu que não aguento essa tua cara de janela, essa tua cara de fotógrafa
clicando meu braço, clicando meu mal humor, clicando meu sábado
- Eu nunca consegui ver seu rosto, por que ele estava sempre escondida por alguma câmera moderna
- Esse teu olhar nunca foi seu, você nunca me entendeu, por que nunca olhou o vazio, tudo que era vazio, você ocupava com enfeites ridículos.
- Você desfocou todo sentimento, a favor de uma luz que nós nunca nem tivemos.
- Eu te via transformar tudo em paisagem, até mesmo nosso amor.

E tudo acaba em cinzas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito Bom