Você se foi, e levou consigo os meus fones de ouvido, e foi
como se tivesse levado para si, a minha audição, o meu autismo.
Você no contraponto, colocava os fones para ouvir a
saudade, e do outro lado eu tapava meus ouvidos, ensurdecendo a falta.
Ela levou meus fones, desalinhando meu bom gosto, a linha tênue
entre meu esforço e meu recalque.
Levou os fones para ouvir freqüências que eu nunca
conseguia atingir, em equalizações que eu nunca consegui prometer.
Meus ouvidos desconcertados, descompassados, a imaginar a tua
voz. Tentando compensar a aflição, desencapado de medo.
Sem os fones, eu escutava as vozes da minha cabeça, e
nenhuma era a sua e como em uma transmissão de arrependimento, eu me desligava em dó.
A tua voz era uma imagem
mental, que levou o equilíbrio e um abismo cego me tomava sem
música.
As vozes inventadas carregavam minha cabeça, enquanto você
ouvia a ausência de nossas conversas.
Você se foi, e levou consigo os fones, desfigurando meu
impasse.
Meu silencio vagando por estradas surdas, e nas curvas dos
teus murmúrios, eu fenecia.
Eu me lembro de ouvir outro disco, enquanto tua boca desligava
minha cabeça, e na disritmia eu aceitava suas flores.
Mas tuas despedidas, arranhava meus ouvidos, e as declarações
injetadas, sem ritmo, se repetiam sem
nunca encontrar sincronia.
Eu ouvia, o amor amiúde, das palavras traduzidas por outro
ouvido, da boca que regurgitava o obvio. Então olhava para suas gengivas, sujas
de clichê, e nas desculpas paliativas, no fio dos teus dentes, a retirar as
anedotas que rasgavam a minha canção.
Canção dos olhos, composição da calma, que nunca entendeu o
teu pensar.
Era um samba mal sujeitado, cantado ao pé de um ouvido
doente.
E em um dissabor eu fantasiava outro porta bandeira a ostentar a teu sorriso.
Meus fones em outros ouvidos
E eu corria para o meio fio, a gritar desafinado, o teu silêncio.