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sábado, 7 de novembro de 2009

Seus dedos longos procuravam algo de insano, ele parecia meio perturbado pela solidão, mas não se importava com mais nada. O que ele precisava era dela, era daqueles olhos que o distraiam enquanto o sono não vinha, precisava do vinho, do sexo e daquelas pernas que há muito tempo não o prendia..

Enquanto isso, do outro lado da cidade; ela, simples criatura impulsionada pelo desejo, sem se preocupar com a ausência dele ou de qualquer outra pessoa, se prepara para sair.A única coisa que a incomodava naquela noite era a prisão, o tédio, o desapego do seu apartamento.Sem demora, vestiu o vestido, colocou o ténis, prendeu o cabelo e saiu para a noite quente.Saiu para ser mais uma pessoa na rua, mas ela não pensava nisso, de um jeito ou de outro ela se sentia única, até porque nunca tinha encontrado alguém como ela, alguém que vivia de um jeito incolor, de um jeito tão indisposto, ela perseguia o delírio, mas era seguida pela normalidade em que seus dias acabavam.

Ele levantou, olhou pela janela. Ele sentia uma espécie de febre mental, e as sensações acumuladas dentro de si não ajudavam, muito menos o calor. Ele precisava de um tempo, um tempo la fora. Ocupar a cabeça com uma cerveja, algum conhecido, algum rabo de saia qualquer, alguma exposição.. Precisava esquecer ela, precisava tentar, pelo menos uma vez. Talvez ele estivesse errado quando disse que não tinha forças para tanto.Pegou a carteira dentro da mochila, enfiou no bolso da calça e pegou uma camiseta qualquer. Foi pra rua também, procurou saber o lado para o qual o vento soprava, e seguiu pelo sentido contrario.

Seguiu sozinho, passos apressados, pensamentos atrasados, cabeça baixa. Tropeçava em ideias jogadas na calçada, lixos de uma juventude sem prazer. Ele reparou nas risadas forçadas das pessoas que passavam e lembrou que um dia foi assim, reparou também nas garotas prostitutas baratas que ali no centro se encontravam, e pensou que também não passava de um puto, vendendo a sua liberdade e a sua ignorância.Mas chega um hora que você quer fugir dessa poluição social. Entra no primeiro bar familiar que aparece, se isolando das cenas grotescas na rua.O lugar era calmo, limpo e logo procura alguém conhecido para tomar uma cerveja e talvez discutir futebol. Como não encontra ninguém, se dirige para o balcão, senta sozinho e pede uma cerveja.Ali ficou durante algum tempo, sem prestar atenção em mais nada alem de um programa critico de cinema que passava na tv. Ate que imagina ter escutado algumas vozes conhecidas e sem se hesitar, resolve virar a cabeça para o lado, a procura de tais vozes. Vê os garçons limpando as mesas com algum produto que o faz criar repudio, no mesmo momento sua visão trespassa todas as mesas e encontra algumas belas mulheres a discutir o quão aquela noite estava chata. Tentou reconhecer a voz, as pernas.. mas foram olhos... os olhos que o fizeram vagar e cair para dentro do passado, aonde tudo o que lembrava era de alguns pecados e de muitas brigas.

Depois de algum tempo hipnotizado ele volta a realidade, percebendo que aqueles grandes olhos o encaravam e que alem dos olhos, a boca sorria. Para ele.Ele retribui o sorriso e então é surpreendido.Ela se levantou? Sim! E vinha em direção a ele. Estava linda.
Linda, como ele nunca a tinha visto antes, ou quem sabe nunca tivesse reparado. Ele nunca a possui por inteiro. Possuiu pedaços dela. Passava uma semana tocando e beijando as pernas, outra vez, ela doava somente sua boca.. em outros momentos ele tinha que se contentar somente com os seus seios. Mas agora não. Ela estava ali a sua frente inteira, uma mulher completa, e não somente aquilo que o dava prazer. E pela primeira vez, ele a viu como mulher, como alguém que também tem sentimentos e que também tem alma e não apenas um pretexto para o seu gozo tão rápido.Ele queria ela inteira agora, e não estava se referindo ao corpo. talvez em parte, mas o que ele queria mesmo, era a alma. Uma conversa... isso. Uma conversa, que ela começou:

- Oi. - ele tinha esquecido o quanto a voz dela era bonita.

- Oi, tudo bom?

- Sim, sim. Quanto tempo.

- Pois é. Então..- Vim aqui só falar um oi. Vou voltar pra mesa, elas são umas meninas que conheci na faculdade..Ela deu um tchau tímido com a mão e se virou. Sem pensar duas vezes ele a puxou pelo pulso.

- Espera.- Sim?- Quero conversar.. só.. sinto falta da sua voz, das suas ideias.
- Minha voz? Minhas ideias?
- Vamos lá pra fora? - ele disse indicando a porta com um aceno de cabeça.
- Ta, Rapidinho, hein?

Ele pagou a cerveja e saíram. Caminharam até uma praça, se sentaram na calçada. Eles estavam mudos até então. Convencionalmente havia um olhar, um sorriso, um ruído de boca.Ela pegou um jornal ali perto, enrolou e fez que nem uma luneta. Olhou para o céu estrelado com ela e disse de um jeito que pareceu mais sincero do que deveria:

- Sempre que olho para o céu a noite, eu me lembro da gente. De como você vivia me falando que eu tinha a cabeça na lua, e quando eu olho pra cima, eu a tento encontrar e encaixar novamente ao meu corpo.

- Eu falava isso brincando, você sabe? É maneira de falar. Falava isso para você rir.

Sim, eu sei disso... mas era engraçado porque logo você falava isso, sabe? Logo você que me desconstruiu inteira. Eu voltava pra casa sempre faltando uma parte de mim, a cabeça na lua, as pernas na sua cama.. Ah.. mas o coração não. Esse sempre esteve no lugar, no lugar de onde ele nunca deve sair. E ai dele se ele sair. Sei la, talvez um dia ele também queira dar uma volta no céu, mas eu não vou deixar.

- Mas a gente não...

Ele mal completou a frase, ela o interrompeu

-Não venha com essa que a gente não manda no nosso coração. Eu mando nele sim. Eu acabei de pedir em silencio para que ele desse um sinal de vida, ele é quieto. As vezes eu acho que eu nem o tenho, e diversas vezes coloco a mão sobre o peito, só para ter certeza de que ele ainda bate.

Ele da uma risada, pega a luneta de papel da mão dela e olha o céu pelo objeto.

- Eu sou o contrario, sob todos os aspectos. Eu até tento deixar minha cabeça na lua, deixar os pensamentos voarem, brincarem. Não consigo. Estou tão aqui. Sempre. Racional e, ao contrario de você, sentimental. Meu coração.. meu coração voa mais do que deveria, muito mais.

- Eu sei, por isso sempre tive medo de você - disse ela, observando o tráfego. Ela nunca o encarava.

- Medo?

- Por mais que você seja racional, a emoção te machuca, te descontrola. Você só não sai gritando em razão dos sentimentos porque é tímido.. não sei explicar bem. Eu não sinto o que você sente.. mas imagino que seja algo por ai. Imagino pelo seus atos.

- Você é distraída e muito observadora. Isso é engraçado. Mas sim, a minha timidez me impede de muitas coisas. Há um grito contido aqui dentro, pronto pra sair. Uma força que nunca foi usada... é tão estranho querer algo, mas ao mesmo tempo não querer, e eu vivo nessa guerra dentro de mim, como se tudo que eu almejasse não passasse de algo simbólico. E o mais irônico é que quando me deito, falo para mim mesmo que vou deixar meu medo de lado e correr atrás do que preciso, mas esse correr atrás sempre soou muito literal pra mim e isso me deixava careta demais, down demais. Por isso que nunca tive a certeza de ser louco, até a loucura escapava das minhas pretensões tão infantis. E você.. você é tão livre, é tão certa do que quer. Eu percebo isso e acabo ficando ainda mais louco..

O silencio permeia os dois. Sabem que aquela conversa toda não vai ter fim, nunca teve. Foi sempre assim, ela falava dela, ele falava dele, enquanto ele deveria ta falando dela e ela falando dele.Mas poucas sensações são melhores do que a de ter liberdade e segurança para falar de si mesmo com um outro alguém. Mesmo havendo sempre discordancias.Ela encostou a cabeça no ombro dele. Ele, depois de algum tempo, a beijou.

- Quando você me beija, eu sinto aqui. - ela botou a mão em um ponto pouco mais a baixo do umbigo.

- E a partir de hoje a noite, a partir da nossa conversa, quando você me beija, eu sinto aqui - ele botou a mão no ponto onde pensa estar o coração, e sorriu.

- Quem sabe um dia.. - ela começou.

- É, quem sabe? - Ele sorriu, se levantou. Deu mais um beijo nela e se virou.

Foi embora, caminhando. Sozinho e contra o vento.

(Iuri e Bruna

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